Traficante diz à polícia que PM morto no Guarujá foi comprar cocaína

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São Paulo – Em interrogatório, o traficante Caick Santos Riachão da Silva, preso por envolvimento no sequestro, tortura e assassinato do soldado Luca Romano Angerami, de 21 anos, no Guarujá, no litoral paulista, declarou que o policial militar (PM) foi até a sua biqueira, como são chamados os pontos de venda de droga, para comprar cocaína.

O corpo do soldado, vítima de criminosos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), chegou a ficar mais de um mês desaparecido até ser encontrado em uma cova rasa de um cemitério clandestino, na Vila Baiana, na segunda-feira (20/5).

O PM havia sido visto pela última vez perto da biqueira gerenciada por Caick, na Rua das Magnólias, caminhando ao lado de outro suspeito, na madrugada de 14 de abril. A imagem foi feita por câmera de segurança.

Com base em depoimento de testemunhas e outras imagens colhidas na investigação, a Polícia Civil sabe que, no dia do desaparecimento, Luca havia passado a tarde com amigos na Praia do Tombo, ido a um bar de sinuca e depois a uma adega na Vila Santo Antônio.

Ainda falta esclarecer, no entanto, o passo a passo do que aconteceu, de fato, entre a saída da adega, a sua passagem pela biqueira e a execução do policial no Tribunal do Crime.


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Investigação

No inquérito, um amigo de infância, que estava com o PM na praia, no bar e na adega, também afirmou ter visto Luca falando com um indivíduo desconhecido no último estabelecimento.

Quando o amigo se aproximou, a conversa teria sido encerrada e o sujeito ido embora. “O indivíduo falou que todos ali na adega já sabiam que ele era policial e deveria tomar cuidado”, explicou o soldado, segundo o depoimento.

Outras testemunhas também relataram que, enquanto estava na adega, Luca teria trocado mensagens pelo Instagram com uma mulher desconhecida – razão pela qual a polícia não descarta a hipótese de ele ter sido atraído para uma cilada.

Já os investigados, cujos depoimentos foram usados pela própria polícia para fundamentar os pedidos de prisão, afirmam que o PM chegou por conta própria ao ponto de venda de droga, dirigindo seu Toyota Corolla, e só foi arrebatado no local.

A Polícia Civil ainda não apresentou o relatório final com a conclusão da investigação. “Todas as circunstâncias dos fatos são investigadas pela 3ª Delegacia de Homicídios da Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Santos”, diz a Secretaria da Segurança Pública (SSP), em nota.

Biqueira

O depoimento de Caick, apontado como gerente do ponto de venda de droga, foi colhido no dia 19 de abril. À polícia, ele afirma que já passavam das 6h quando Luca parou o carro e conversou com um “olheiro”. O funcionário, então, foi até o traficante e informou que “tinha um cara armado querendo droga”.

Segundo o documento, Caick respondeu que poderia vender, mas decidiu avisar a outros “irmãos” que havia uma pessoa armada no local. Posteriormente, os outros traficantes foram identificados como Victor de Souza Miranda Santos, o BH, João Marcus Galdino da Silva, o Trolho, e Rafael da Silva Santos, o Cebola, apontados como “disciplinas” do PCC na Vila Santo Antônio.

Em seguida, um frequentador do local, identificado como Danilo Jefferson Corrales Lins Andrade, o Caga, também avisou o traficante que Luca “era polícia” porque “tinha visto uma desavença horas antes numa adega ‘pagando de peça’ (mostrando a arma)”.

O depoimento descreve o que aconteceu na sequência assim: “Eles [Luca e Caga] ficaram uns 40 minutos [conversando]. Logo depois eles saíram do carro e vieram a pé sentido Canal. Nisso o declarante [Caick] já começou a gritar com ele: ‘E aí, qual é, Caga, tá trazendo polícia?’”.

“Mas o rapaz que estava com ele falou que não era polícia, mostrou que estava desarmado, que tinha família na Funchal/Santo Antônio, e que só queria uma droga. Aí o rapaz (SD.PM Luca) pegou três pinos de cocaína, pagando R$ 15,00.”

Execução

Nesse meio tempo, o “olheiro” teria ido até o Toyota Corolla do PM, encontrado a arma dele e levado até a biqueira. Os outros traficantes, que haviam sido avisados, também chegaram ao local. De acordo com os depoimentos, a pistola foi entregue na mão de BH.

Também preso na investigação, Carlos Vinícius Santos da Silva, o Malvadão, que estava na biqueira, narra o que aconteceu assim: “O irmão BH devolveu a arma para o policial, sem as munições, falando para ele ‘vazar’.”

Luca, no entanto, teria se negado a deixar o local sem levar “o pente e as balas” que os traficantes haviam tomado. “[O PM] começou a ameaçar que senão ia ter que voltar para pegar a munição (…) Aí, BH disse: ‘Vai ser assim então?”, descreve Malvadão.

Apesar de discrepâncias em alguns pontos da ocorrência – como, por exemplo, quem foi a primeira pessoa a abordar o PM no carro –, a versão de que o soldado queria comprar droga e acabou desarmado é um ponto em comum nos depoimentos de Caick, de Malvadão e do próprio BH, que admite ser integrante do PCC.

Na investigação, o disciplina da facção criminosa relatou que “falou para o policial ir embora ‘porque ia molhar a quebrada’” – ou seja, atrair ainda mais policiais.

Após discussão entre traficantes e os policiais, Luca foi posto em um carro escuro. Em depoimento, BH admitiu que ele, Trolho e Cebola levaram o PM até um morro da Vila Baiana e o entregaram a criminosos identificados como “PC”, “PW” e “Snipe”. A polícia diz que Luca foi submetido ao Tribunal do Crime, torturado e executado.

Presos

Outro investigado é Fábio Barbosa da Silva Júnior, o Fabinho, que teria ficado responsável por desovar o carro do PM, um Toyota Corolla, na Rodovia Cônego Domênico Rangoni. O veículo foi encontrado ainda com a chave no contato e o uniforme do soldado.

Ao ser capturado, Fabinho delatou a participação de outros dois supostos membros do PCC na discussão sobre o que deveria ser feito com Luca. São eles: Thiago da Silva Santos, o Gardenal, e Gabriel Santos de Jesus.

Como estava na biqueira na hora em que o soldado foi arrebatado, Renato Borges de França, o Coroinha, também é investigados e teve a prisão decretada.

Já o primeiro homem a ser preso, ainda na noite de 14 de abril, foi Edivaldo Aragão, de 36 anos, que confessou o crime. Com o andamento da investigação, no entanto, os policiais descobriram que o seu depoimento era mentira e tinha sido prestado a mando do PCC. Ele foi indiciado por atrapalhar o trabalho da polícia.

Corpo

Segundo a polícia, o corpo do PM foi encontrado com as mãos amarradas e enrolado em uma lona. Uma equipe da Seccional de Santos localizou o cadáver na Rua Gerson Maturani, na Vila Baiana.

O rosto da vítima, de acordo com policiais da Seccional que participaram da operação, estava desfigurado. Uma tatuagem no braço esquerdo teria ajudado na identificação do PM.

O desaparecimento de Luca Angerami já era tratado como homicídio. No fim de abril, o delegado Fabiano Barbeiro, da Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Santos, afirmou que o soldado foi “executado covardemente por criminosos integrantes do PCC”.

Segundo o delegado, o rapaz foi morto “simplesmente pelo fato de ser policial, e por estar no lugar errado na hora errada”.