Precisamos falar sobre medicina integrativa – 06/06/2024 – Tati Bernardi

Esportes

Cometi o enorme erro de apertar a bunda duríssima de uma atriz de 65 anos e perguntar o que ela fazia para ser assim. Na hora ela tirou de dentro da bolsa o cartão de uma clínica que, segundo ela, mudaria a minha vida.

Marquei um horário e já na recepção reconheci o esquema que tanto me enoja e dá nos nervos: decoração de arquiteta bolsonarista; 126 pessoas que te atendem antes do grande doutor (para que ele possa chegar atrasado como um superstar dos trópicos); salinhas de “soro da beleza” (mais uma moda ridícula de gente besta); telas espalhadas pelo ambiente com vídeos institucionais dos sócios almofadinhas dizendo que a partir de agora “começa a mudança”; a palavra “integrativo” escrita em todos os lugares.

Médicos integrativos são os novos ortomoleculares: eu nunca consegui conversar decentemente com nenhum deles e nunca comprei nada do que me receitaram ou fiz os exames recomendados. Se você está se perguntando por que perco meu tempo com esse tipo de profissional, eu explico: por mais madura e sagaz que seja uma mulher, o mundo vai nos perturbar tanto, mas tanto, que envelhecer jamais será fácil.

Sou hipocondríaca e filha de pais idosos cheios de questões de saúde, portanto tenho em meu celular uma junta médica da melhor qualidade. Se você um dia precisar de indicação de endocrinologista, cardiologista, clínico geral, infectologista, dermatologista, otorrinolaringologista, oftalmologista, psiquiatra, neurologista, reumatologista, ginecologista… enfim, eu conheço os melhores da cidade.

Gente que, antes de ser chefe de departamento do Einstein, passou pelo menos uns 20 anos virando noite e até hoje ainda faz hora extra para atender quem não tem como pagar. Sou chata demais para gostar de médico. Eu testo e mudo e insisto até encontrar um que ame sua profissão, respeite ao extremo os pacientes, saiba exatamente o que está fazendo e não seja eleitor de fascista.

Estou contando isso para dizer que nenhum dos meus médicos de confiança acredita na medicina integrativa ou nos ortomoleculares ou em nutrólogos que fugiram de UTIs neonatais para enfiar níveis altos de testosterona em peruas e chamar isso de medicina do esporte ou integrativa ou da alta performance. Você, amiga “quarentona mais”, que anda se achando um tanto caidinha na piscina do clube, acredite: seu corpo é normal. Contudo, a maioria das senhoras dessa idade que parecem ter 28 anos está com o clitóris do tamanho do meu nariz e precisa depilar a barba uma vez por semana.

Mas voltando ao tal doutor da clínica que mudaria a minha vida. Ele chamou uma de suas 354 funcionárias para pedir que ela “espelhasse meu exame em um telão” e disse: “Nossa, é a pior bioimpedância que eu já vi na minha vida, me dá vontade de apagar seu nome e apresentar seu caso no congresso a que eu vou na semana que vem. Você sabia que seu coração já deve estar murchando e que você pode se considerar obesa?”. Eu peso 54 quilos.

Sou escritora e passo o dia lendo, estudando e digitando. Enfim, não sou a rainha da massa magra. Além do mais, por conta da minha síndrome da hipermobilidade (eu sou muito alongada, o que pode ser interessante em uma suruba, mas na vida real é complicado), tenho sarcopenia (minha carne é molinha).

Só que me tratar como um paciente que morreria em três semanas foi mais do que ridículo; foi, nas palavras do meu clínico geral (médico do Sírio e professor da USP), criminoso. Ele disse com todas as letras: “Esse fulano te passou bomba sem ver seus exames de sangue, sem te explicar o que pode causar no seu corpo. Esse cara é um criminoso!”.

Quantos deles não estão na moda? Médicos influencers berrando no seu Instagram e dizendo que com uma simples mistura de cúrcuma com anabolizante você estará salva!

Infelizmente, não faltam hoje clínicas bonitas com médicos que rasgam seus diplomas e jogam no lixo seus juramentos em nome de enriquecer às custas de ricos desocupados (tem que ser muito rico e muito desocupado para frequentar um lugar desses).

A boa notícia é que, nesse caso, médicos e pacientes se merecem.


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