O maldito corrector (Por Miguel Esteves Cardoso)

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Não só não uso correctores, como levo a mal o tempo que leva a desligá-los.

Mas começo a repensar a minha posição. Vejo que os meus amigos dispõem de um bode expiatório que lhes dá muito jeito quando alguém descobre que não sabem escrever.

O desabafo “maldito corrector!”, que cada vez aparece mais onde quer que os seres humanos sejam obrigados a escrever, tem o seguinte significado:

“Eu escrevo lindamente, claro, mas tenho uma condicionante que me definha o estilo: tenho pressa. O meu tempo é valioso demais para estar a olhar para o que faço e, por isso, sou obrigado a usar um corrector feito pelos robôs dos americanos, que não fazem ideia da riqueza e da dificuldade da língua de Camões, pelo que está sempre a pregar-me rasteiras.”

De repente, ninguém dá erros ortográficos. A própria ideia de “dar erros” foi transferida dos seres humanos, outrora falíveis, para os correctores, notoriamente distraídos, incultos e ignorantes.

Se alguém apanha um passo gramatical em falso, ou um lapso de lógica ou de estilística, o culpado já é conhecido de toda a polícia: “Ah, isso foi o corrector!”

Seria de bom-tom que os portugueses agradecessem aos correctores a proeza de lhes apanharem os erros todos. Mas não: a perfeição altera o ser perfeito e, de um momento para o outro, não tolera qualquer imperfeição – nem mesmo do corrector.

A solução seria ajudar os correctores a vingarem-se de tanta ingratidão. Assim como os browsers estão sempre a vangloriar-se da quantidade de sites que impediram de nos trackar, também os correctores haviam de anunciar o número de erros que apanharam.

Mesmo numa SMS de duas linhas, havia de se assinalar, no vermelho-esferográfica das antigas professoras da 4.ª Classe, o número de calinadas que foram evitadas. Quem quisesse saber, ao certo, quais eram poderia clicar no número e deliciar-se com as bojardas do ilustre correspondente.

Quem é capaz de imaginar a paisagem de dislates da qual nos protegem os correctores?