Kleiton Lima, à ESPN, após afastamento do Santos: ‘Não houve prova nenhuma’

Esportes

Kleiton Lima falou à ESPN pela primeira vez depois de ter pedido afastamento do Santos. O treinador deixou o cargo, menos de uma semana após ser apresentado, relatando ameaças, pessoas e virtuais, como desdobramento das denúncias que foi alvo, de assédio, em 2023.

À reportagem, o técnico se defendeu e garantiu não ter praticado os atos dos quais foi acusado, em 19 cartas anônimas de jogadoras que foram comandadas pelo profissional à época. Além disso, novos relatos, em 2024, corroboraram as versões escritas pelas atletas.

Kleiton ressalta, porém, que não houve investigação formal da Polícia pelo fato de nenhuma jogadora ter levado as denúncias adiante. Relembra também que o Santos apurou internamente os relatos e não encontrou provas dos feitos – o que motivou o retorno do treinador.

O técnico explicou também por que tomou a decisão de novamente buscar a Polícia, para abrir boletim de ocorrência, contra ameaças que sofreu na última sexta-feira, em partida do Santos contra o Corinthians, virtuais e também nas ruas da Baixada Santista.

Ameaças e afastamento do Santos

“Eu tomei a iniciativa de pedir um afastamento temporário para o clube. Porque eu estou sofrendo ameaças. Ameaças, inclusive, a minha família. Primeiro, eu gostaria de esclarecer. Algumas mídias estão colocando que eu fui desligado, que eu fui demitido… Já começa por aí. A gente está com um mecanismo jurídico aqui, avaliando tudo para poder falar realmente a verdade. Eu pedi um afastamento temporário, porque eu estou sofrendo várias ameaças, várias ameaças. São ameaças pessoais, que eu sofri no dia do jogo (Santos x Corinthians) e eu já prestei um B.O. São várias ameaças através da internet.

Além disso, hoje eu me senti bem ameaçado indo para o treino porque eu fui perseguido. Alguém encostou próximo a mim, no meu carro, não deu para ver porque estava de moto, gritou alguma coisa perto da minha janela, mas eu me senti amedrontado e virei a rua, entendeu? Por todo esse contexto. Então, preservando a minha integridade física e psicológica, das pessoas que eu mais amo, que são as pessoas que valem a minha vida, que é a minha esposa, meus filhos, meus pais, minhas irmãs, e também pelo próprio clube e por tudo o que vem acontecendo aí, todos os clubes protestando, enfim, eu pedi esse afastamento temporário do clube, só isso.”

Cartas e acusações

“Até agora eu não fiquei me pronunciando. Primeiro porque eu creio que o justo não se justifica, né? Quem faz alguma acusação tem o ônus da prova. Até agora não houve prova nenhuma contra mim. E não vai ter, né? Primeiro, começou com o assunto das cartas. Falam lá 19 cartas, alegando que o treinador é denunciado de assédio. Pera aí, 19 cartas de assédio? Primeiro, precisa saber se as pessoas leram as cartas. Das 19 cartas, não são 19 cartas de assédio, são três ou quatro de assédio. Não lembro agora exatamente que nem eu vi todas as cartas na íntegra, dando a atenção devida, porque eram tantas mentiras…

Mas eu sei que a maioria das cartas tratava de reivindicações minha conduta como treinador. Na parte tática, insatisfações no treino, enfim, para um monte de coisa que eram insatisfações delas como atletas, como treinador, metodologia, cobrança e tal. Em relação a algumas que falam de assédio moral, primeiro, é uma linha muito tênue que o treinador tem a responsabilidade de exigir melhor performance a cada dia da atleta, certo? Então, no lado esportivo, do lado atlético, do cuidado, do treino, do jogo, performance de jogo, resultados. Eu nunca humilhei ninguém, nunca cometi assédio moral ao ponto de haver humilhação.

As pessoas falaram ‘ah, me humilhou’, eu nem sei, nem imagino quem seja. ‘Eu pensei em suicídio’. Eu nem imagino quem seja, porque todas as atletas, nenhuma foi afastada por depressão, nenhuma foi afastada pelo departamento médico, porque estava depressiva. Que eu saiba, no departamento médico do clube, não chegou nada de alguma atleta que pudesse estar sendo cararacterizada com depressão ou que estava sendo caracterizada por estar fora de condições de treinamento, tanto é que nenhuma foi afastada por isso. Então, assim, eu nem imagino quem seja que escreveu essa carta, essa suposta carta que fala desse assédio moral.”

Assédio sexual

“As cartas que dão uma sentença de assédio sexual falam da minha vestimenta, que não é que dá tendência, vocês levantaram ‘As cartas continham relatos de que ele usava uniforme que aparecia o órgão genital dele’. O quê? O quê? Que uniforme eu usava? Usava todos os dias o uniforme do clube. 90% dos dias que eu dei treino, mesmo dois dias de calor, eu preferia dar treino de calça porque os bolsos das calças são maiores e eu tinha meus blocos de anotações, os bolsos das calças eu uso o bloquinho de anotações de treinador, aqueles caderninhos de treinador, e a planilhazinha minha, que geralmente estão nos bolsos das calças. Então sempre preferi usar, a não ser dias extremos de calor assim, tipo muito quente em Santos. Uma vez ou outra eu usei bermuda até o joelho, usei até o joelho, e como que fala que as vestimentas mostravam órgãos genitais? Cara, é inacreditável. Me perdoem, mas é inacreditável.

Aí vamos além. Outra fala de toques indevidos. Que toques indevidos? O que é indevido? Claro que se eu relar em alguma parte íntima de um atleta, totalmente indevido, totalmente indevido, ai como configuraria sim, um crime, alguma coisa, um assédio sexual, uma importunação, coisa que eu jamais fiz. Eu jamais fiz. Agora, o que é toques indevidos? Eu não sei, eu não faço ideia. Agora vamos lá. A gente está no vestiário, pré-jogo, aquele calor do jogo pós oração antes de entrar no túnel para entrar no campo. Você às vezes tem um abraço, um aperto mais forte, um tapinha nas costas. Você sabe, você está no meio de jogadoras, de atletas de performance, de alto rendimento que buscam o resultado. Que toques indevidos? A pessoa precisa ser clara, a pessoa precisa aparecer e falar: ‘Ele tocou em mim, em tal região’. Eu preciso saber, eu quero que a pessoa apareça e fale.”

’E essa bunda, aí?’

“Mais uma coisa, a única carta que conta um relato, um relato presencial é a carta da feira. É uma carta que conta na feira que houve um encontro meu e de alguns da comissão técnica com uma atleta na feira. Na carta, a descrição é sem pé e sem cabeça, mas ela fala na carta que eu me dirigi a ela na feira, que eu falei que a bunda dela estava grande, que o pastel estava indo para a bunda porque ela estava comendo pastel e que ela se sentiu assediada sexualmente por causa do meu olhar. Essa moça, essa atleta que escreveu essa carta, ouve esse relato da feira, coisa que eu não fiz de chegar nela, falar que a bunda dela estava com o pastel. Mentira.

Mas ouve esse encontra na feira. Eu não estava sozinho. Estava eu junto com toda a comissão técnica que nesse dia era aniversário da Aline Xavier, a nossa coordenadora, que nos convidou após uma reunião da comissão técnica para descermos na feira na esquina da Vila Belmiro, que ali tem um pastel que ela adorava comer de quinta-feira, e nós descemos para fazer companhia para ela, porque era aniversário dela para tomar uma garapa lá. E ela comeu o pastel. Um monte de gente, um monte de gente. Eu sou treinador, eu estou com atleta todo dia no campo, no CT, na academia, eu ia chegar no meio da feira e falar tudo isso? Mas tudo bem. Ela falou que eu falei, ainda que eu tivesse falado, isso primeiro jamais seria assédio. Não configura assédio, eu ter falado da bunda dela, ter falado que a bunda dela é grande e ter falado que o pastel estava indo para a bunda. Ainda que eu tivesse falado, eu não falei, mas ainda que eu tivesse falado: não, não se configura assédio.

Essa menina, por ela ter escrito, foi a única que escreveu a frase ‘ele me assediou sexualmente’. Das cartas, a única escrita que foi denominando assédio sexual foi dessa menina. O Santos, quando viu as cartas, falou com todas as jogadoras ‘quem escreveu essa carta?’. Essa carta aqui relata um crime de assédio sexual, dizendo que essa atleta se sentiu assediada sexualmente. Isso é crime, é investigação. Essa menina, essa atleta, diante da diretoria do Santos, diante das outras jogadoras, diante do (dirigente Alexandre) Gallo, do (assessor Fabio) Maradei, do doutor Filipe, que era o advogado da época, que estavam presentes na reunião com todas as atletas. Essa jogadora, ela assume a responsabilidade ‘foi comigo’, ‘esse relato fui eu que escrevi’.

Então, mediante essas testemunhas que eu sei que estiveram presentes, eu não estava, porque eu não fui convidado a participar, porque a diretoria queria conversar somente com as jogadoras, ouvi-las, todas, todas foram ouvidas. Todas, daquele ano, daquele elenco do ano passado, todas foram ouvidas. Todas. A única menina que assumiu autoria foi essa menina. Essa menina do pastel. Então, a partir daí eu tinha testemunhas dizendo que tinha uma autora que assumiu esse relato da carta, uma única que deixou de ser anônima.”

Investigação

“Apesar de não ter assinado a carta, ela deixou de ser anônima porque ela assume publicamente. Essa jogadora, então eu, através dos meus advogados, eu fui na delegacia. Primeiro eu tinha ido na delegacia para falar as cartas anônimas. Como o delegado falou para mim: ‘sem você saber quem é, a lei ela protege o anonimato porque não tem vítima. Então como é que você vai também abrir uma investigação se não tem vítima?’ Eu queria abrir investigação. Eu fui atrás da polícia, eu fui atrás desde o começo. Depois abri uma investigação para tentar, para tentar falar que vocês estavam me caluniando. Só que não tinha a vítima. Como é que eu ia abrir uma ação se não tinha vítima? A partir do momento que essa jogadora assume publicamente, eu tenho testemunhas dizendo que ela relatou isso. Então eu fui lá e abri, sim, um B.O de calúnia e difamação contra essa jogadora.

Entrei numa ação de pedido de explicações para a juíza criminal de Santos, dizendo que essa jogadora relatou exatamente o encontro na feira e que nesse encontro ela me acusa de assédio sexual. Isso foi relatado. Os processos estão aí. O que aconteceu? Essa jogadora que me acusou publicamente para as outras atletas de assédio sexual, contando o relato da feira, assume a responsabilidade dessa carta, dessa narrativa diante da diretoria, chegou na delegacia, ela falou que não foi ela. Ela falou que não foi ela que escreveu. Além disso, a gente entra com ação chamando ela para uma ação de calúnia e difamação e, claro, além disso, eu entrei com uma ação cível de indenizatória. E o que ela faz diante da juíza? Nega a autoria da carta do assédio sexual.”

’Quem comete um crime, se esconde’

“Quem comete, seja lá qualquer crime que for, passa longe da polícia, passa longe, se esconde da polícia, não quer saber jamais. Eu fui o primeiro a ir, eu fui o único a ir na polícia, eu fui o único que fui na delegacia, eu fui o único que abriu investigação, eu fui o único que fiz um B.O., eu fui o único. O que eu mais prezo é por que, se alguém pegar minha irmã, pegar minha esposa e cometer um assédio, o que eu mais vou falar ‘vai na delegacia agora e faz um B.O. Se proteja, vamos proteger você’. Eu tenho amor, eu tinha amor por essas meninas, por essas atletas. Eu tive amor. Eu comecei no futebol feminino. Os meus maiores sonhos de criança na minha vida, eles foram realizados através dos pés dessas meninas maravilhosas. Eu realizei meu sonho de ser treinador de um grande clube, campeão em vários campeonatos, Paulista, Brasileiro, Copa do Brasil, Copa América pós-seleção, Libertadores. Fui para duas Copas do Mundo com a seleção brasileira. Eu tenho um histórico no futebol feminino. Foram 16 anos. Além disso, no masculino.

Olha do que estão me acusando. Eu sou casado, eu sei que isso, às vezes, para o mundo, pode ser uma mentira, casamentos fictícios aí, que não é o meu caso. Eu sou casado há 27 anos com a mesma mulher. A minha esposa sempre me acompanhou no futebol feminino, trabalhou comigo desde o começo. Quantas meninas nós acolhemos? Moraram na nossa casa quando o clube não dava estrutura nenhuma, nenhuma. O clube não dava estrutura nenhuma. Lá no começo dos anos 2000, elas saíam de outros estados com 15, 16, 17 anos. Eu não moro em Santos, eu moro em Itanhaém. Elas moravam em Itanhaém comigo, com a minha esposa. A minha esposa sempre as tratou como filha, eu sempre as tratei de maneira muito respeitosa. Quantas vezes essas meninas elas foram de Itanhaém a Santos de carro comigo sozinhas? Para o treino. Porque a gente morava em Itanhaém e as vezes trabalhava em Santos e treinava em Santos.

Nunca tive nenhum problema nesse aspecto de assédio. Nunca teve, nunca aconteceu. Eu sou um pai de família. Eu sou uma pessoa que tenho como maior herança, maior riqueza da minha vida, são os princípios e os valores que meus pais me herdaram, me deram. A minha ética, a minha ética profissional. Eu sempre prezei, o pilar do meu trabalho é a relação humana, é o respeito, é a ética. Agora assim, acabou essa fase. Eu saí do Santos. O Santos fez uma apuração, uma acareação, o Santos abriu um processo administrativo, o Santos fez o compliance. Eu saí naquele momento, de novo, naquele momento eu não pedi demissão. Eu coloquei o cargo à disposição porque não tinha condição nem ambiente, eu sabendo que tinha um monte de carta anônima, como é que eu ia trabalhar sem saber quem era que estava do meu lado, quem que estava alegando alguma coisa. Eu falei ‘Meu Deus, deixa o Santos, deixa o clube, administrar isso e averiguar e apurar e investigar’.”

Investigação do Santos

“O Santos passou esse período todo, ‘Ah mas só o Santos que investigou, foi no compliance, foi no procedimento administrativo’, mas quem que poderia investigar se elas não foram à delegacia? Só tinha o Santos para investigar. Só tinha o compliance para investigar, só tinham o processo administrativo e foram ouvidos vários funcionários. Eu sei que foram ouvidas várias pessoas. Aí é uma investigação que o compliance que faz, não é uma investigação amadora. Eles são especialistas também nesse tipo de quesito.

O que eu mais queria é que, realmente , elas tivessem ido prestar o depoimento, falar ‘olha aconteceu isso comigo’, porque daí a Justiça ia poder investigar. Agora, quem acusa tem que provar. O ônus da prova é de quem acusa. Eu não posso ficar provando o que eu não fiz. Como é que eu vou provar o que eu não fiz. Está acontecendo o contrário. Agora vieram novos relatos. Passou esse tempo todo, vieram novas narrativas, novos relatos ainda com gente que não apareceu ali no escuro.”

Orientação do Santos para jogadores não irem à Polícia

“Não conheço essa informação (sobre as jogadoras terem sido instruídas a não registrarem B.O). Até porque, no dia que o Santos, a diretoria do Santos falou para mim que tinham cartas escritas por atletas contra o meu trabalho, contra a minha metodologia e me acusando de crimes, na hora eu coloquei o meu cargo à disposição e falei assim ‘averigua tudo, averigua tudo. Coloco o meu cargo à disposição. Se vocês quiserem me afastar, quiserem me demitir, fica à vontade, coloco meu cargo à disposição’. Claro que eu não queria ser demitido, mas eu entendia que era melhor eu sair da frente, né? Justamente para eles terem, para eles poderem fazer essa averiguação toda, conversar com cada uma delas. Agora o que foi falado para elas eu não sei. Realmente eu não sei.”

Mais acusações

“Agora surgiram novos relatos, gente no escuro falando. Quem são? E aí são novos relatos, não estava naqueles relatos nas cartas? Foram novos, né? São novos relatos e novas narrativas. Na carta era mais fácil pôr. Por que não puseram nas cartas? Por que não assumiram? Por quê? Por que não houve um CPF identificado? Enfim, quem comete crime não quer dar as caras, passa longe da polícia. Eu que fui atrás da polícia, eu que fui atrás da Justiça desde o começo. Tão querendo me incriminar, e as pessoas não pensam nisso. As pessoas não pensam hoje em dia assim. Estão querendo incriminar porque é fácil incriminar agora o que é supostamente acusado sem prova alguma. E se for um inocente, que é meu caso, vão me matar daqui a pouco? O que as pessoas que estão escrevendo querem? Me matar, é isso? É que termine trágico?.”

Pedido de afastamento e B.O.

“O B.O eu só fiz porque realmente eu quero me proteger. Só por proteção mesmo, porque está perigoso. Está muito perigoso, muito perigoso. É o que eu posso te falar. Eu não sou uma pessoa amedrontada, eu sempre mantive minha serenidade esse período todo, mas agora eu percebi. Agora eu percebi que eu preciso me proteger agora. Esses últimos três dias, diante do que fizeram, eu percebi que eu preciso me proteger, por isso o meu afastamento. Por isso. O meu afastamento é simplesmente por isso, que eu senti que eu preciso me proteger e proteger especialmente quem eu mais amo na minha vida, que é a minha família, que é minha esposa, meus filhos, meus pais, minhas irmãs. É por isso. Eu sempre amei o futebol feminino. Vou continuar admirando, vou continuar torcendo muito pelas Sereias, que eu tenho prazer. Mas é isso. Estou com a minha esposa aqui do lado. Estou com a minha psicóloga aqui do lado, que sempre está me dando muita força nesse momento, a dona Sônia. Quem não quiser acreditar em mim, paciência. Paciência. A minha vida vai seguir de maneira muito digna com as pessoas que me conhecem de verdade, que sabem quem eu sou, como homem, como profissional, como marido, como pessoa, como pai de família.”