Hesitação de Lula é bofetada na causa feminista – 21/06/2024 – Luís Francisco Carvalho Filho

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A aprovação do regime de urgência para a tramitação do projeto de lei que equipara penas de aborto (após a 22a semana de gestação) e homicídio desencadeia uma cruel e persistente agressão moral contra as mulheres.

A manobra política, articulada pela bancada evangélica, contou com a licença discreta do governo Lula. Para o líder na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE): “não é matéria [a punição draconiana do aborto] do interesse do governo”. Importante é a agenda econômica.

O texto não mereceria perda de tempo. Tampouco seu autor, suposto teólogo, negacionista, erva daninha no Congresso Nacional, herdeiro político do honorável Eduardo Cunha e devoto de outro ridículo pastor, o Malafaia. A proposta é aparentemente inviável, esdrúxula, mas a simples movimentação política, como prioridade legislativa, demoniza a mulher.

Ardiloso difusor de fake news, o tal Sóstenes sustenta em redes sociais que George Soros lidera indústria mundial que depende do feto humano para fabricação de cosméticos. Finca a suspeita de interesse econômico na causa do aborto.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 registra 18.110 estupros e 56.820 estupros de vulneráveis no Brasil, média de 205 casos por dia. É questão de saúde pública, mas a CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (todos homens), ligada à Igreja Católica, com larga tradição de tolerância para com sacerdotes (homens) envolvidos em abuso sexual e pedofilia, alia-se à cruzada evangélica e espera punição rigorosa das infratoras.

Tão assertivo em matéria de Banco Central, o presidente da República hesita quando trata da mulher (prefere cupinchas e reduziu a presença feminina no STF, 10 x 1). Só três dias depois da manobra-relâmpago, quando já era politicamente “adequado” recusar os exageros do PL, Lula classificou como “insanidade” a proposta de Sóstenes.

Antes de tudo, como um machista abençoado, por medo de desagradar evangélicos e carolas, Lula se diz “contra o aborto”, repetindo a fórmula mesquinha que Gleisi Hoffmann, presidente do PT, adotou na véspera.

A frase e o raciocínio estratégico “sou contra o aborto” é mais uma bofetada protocolar no ideário feminista. Ninguém é a favor do aborto. Ninguém é a favor de amputação de membros, a não ser que seja necessário. O que interessa saber é se Lula é contra a criminalização do aborto e a favor da autonomia da mulher.

Responsável pela saúde pública, a ministra Nísia Trindade, a ministra do Planejamento e a ministra da Cultura esperaram a fala de Lula, três dias depois da instalação da controvérsia, para enfim soltar críticas ao PL de Sóstenes.

A melancolia machista é infinita. Depois de abrir caminho para o repulsivo projeto de lei, Lira consegue no STF a censura de manifestações antigas de sua ex-mulher, entre elas uma entrevista publicada pela Folha em 2021: “Me agrediu, me desferiu murro, soco, pontapé, me esganou”. Alexandre de Moraes, o ministro protetor, recuaria no dia seguinte.

Na mesma época, Arthur Lira xingava a ex-mulher de “vigarista profissional” e conseguia que o plenário virtual (e masculino) do Supremo Tribunal Federal, que já tinha absolvido o parlamentar de violência doméstica, “por falta de provas”, rejeitasse a queixa-crime proposta por ela por conta de inusitada imunidade parlamentar.

É a consagração jurisprudencial da subordinação. O homem fala e faz o que quer. A mulher não.


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