Fraude, sumiço de óvulos e aborto: mulheres denunciam médico foragido

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São Paulo — “Quando voltei para casa, estava sangrando muito, sem nenhuma higiene”. “Ele me pedia dinheiro vivo”. “Queriam que eu aceitasse exames falsos com doenças que nunca tive”. “Ele roubou o meu sonho”. Relatos como esses foram parte da rotina de pacientes do médico nigeriano Oluwatosin Tolulope Ajidahun, conhecido como Dr. Tosyn, dono de uma clínica de fertilização na zona leste de São Paulo.

Naturalizado brasileiro, Tosyn chegou ao país em 2013 pelo programa Mais Médicos, do governo federal, que traz profissionais estrangeiros para suprir carência de atendimento básico, especialmente em regiões pobres e afastadas das capitais. Revalidou seu diploma no Brasil e foi para o mercado privado.

Nesse período, o médico virou alvo de processos na Justiça movidos por ao menos três grandes planos de saúde que o acusam de fraude. Em janeiro deste ano, ele teve a prisão decretada em razão de um suposto esquema de pedidos de reembolsos falsos e superfaturados em nome de funcionários, o que causou um prejuízo de R$ 2,9 milhões somente a uma das operadoras.

Tosyn foi monitorado duas vezes por policiais quando tentava sair do país e ir à Nigéria em meio às investigações. Duas vezes, foi barrado no aeroporto. Depois, sumiu. A polícia desconhece seu paradeiro.

As vítimas

Histórias contadas ao Metrópoles por mulheres que procuraram a clínica com o sonho de ter filhos mostram que as pacientes também eram submetidas ao esquema de fraudes. Esses relatos mostram um lado mais cruel da história.

Elas narram casos de negligência médica que afetaram em cheio a saúde e colocaram suas vidas em risco. Até mesmo o “sumiço” de óvulos que o médico diz ter identificado no corpo dessas mulheres está sob suspeita.

Conhecido como Fertilização In Vitro (Fiv), o procedimento oferecido pela clínica de Tosyn envolve um tratamento com remédios para estimular pacientes a gerar mais óvulos, coletá-los, e fazê-los fecundar com o esperma de parceiros ou doadores em laboratório.

Na clínica de Tosyn, relatam essas mulheres, funcionários tentavam fazer com que esse tratamento, que chega ao valor de R$ 20 mil, fosse pago em dinheiro vivo, ou mesmo com pedidos de reembolsos superfaturados e com informações falsas sobre elas.

Advogada de defesa de Tosyn, Agatha Martins nega que o médico esteja foragido e que quaisquer irregularidades ou esquema de fraudes tenham ocorrido na clínica.

Aborto e negligência

Michelle Valentim, de 41 anos, gestora administrativa e mãe de quatro filhos, procurou a clínica porque decidiu engravidar novamente após ter feito laqueadura de trompas – procedimento para não ter mais filhos. Por ter apresentado a Tosyn duas doadoras de óvulos, conseguiu baratear o tratamento, que inicialmente custaria R$ 19 mil, para R$ 4,1 mil. 

Com quatro filhos, Michelle não tinha problemas de fertilidade. Apesar disso, Tosyn recomendou a ela medicamentos para estimular a produção de óvulos e que levaram seu organismo a um hiper estímulo, culminando em dores que não a deixavam ficar em pé.

Quando foi feita a contagem de óvulos disponíveis em seu organismo, foram identificados 33, sendo 28 deles maduros – ou seja, prontos para a fecundação. No entanto, apenas oito óvulos foram coletados e um único gerou um embrião depois da fertilização em laboratório.

Pouco mais de uma semana após a fase de transferência, quando o embrião é implantado no útero da mulher por meio de um novo procedimento, Michelle fez um teste de gravidez cujo resultado deu positivo. Mas passados cinco dias, ela começou a apresentar sangramentos, que foram tratados como “normais” pela biomédica da clínica, responsável pelo acompanhamento das pacientes.

Michelle agendou um ultrassom na própria clínica e, na consulta, descobriu que apesar do embrião, não foram detectados batimentos cardíacos do bebê que ela gestava. Do médico, conta ela, ouviu que “a gravidez provavelmente não vai vingar.”

“Eu fui pra casa arrasada. Lá na clínica nenhuma psicóloga nem ninguém veio conversar comigo”, conta. No pacote que adquiriu na clínica de Tosyn estavam inclusos acompanhamentos de nutricionista e psicólogo, serviços jamais oferecidos a ela.

Durante a noite, sentiu dores fortes, como se fossem contrações de parto, e foi ao pronto-socorro. O saco gestacional, que envolve o embrião, saiu nas mãos da médica.

“Ele [Tosyn] tirou um sonho de mim”, lamenta. 

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Veja o relato completo de Michelle em vídeo:

Michelle faz parte de um grupo de 23 pacientes que estranharam o comportamento de Tosyn e os sintomas recorrentes para quase todas elas. Entre eles, as dores e o inchaço excessivos do hiper estímulo dos ovários e a coleta de um número muito inferior de óvulos em relação àqueles que apareciam nos exames após o tratamento de fertilização.

Pacientes vão à polícia

O Metrópoles conversou com pelo menos cinco pacientes desse grupo. Nem todas quiseram se identificar, com receio de retaliações ou por continuarem a ter, no momento, pendências com a clínica.

Especialistas em fertilização foram ouvidos sob reserva porque não podem comentar abertamente o trabalho de outros médicos. Junto a eles, o Metrópoles apurou que casos de hiper estímulo que levam a sintomas de dor e inchaço mais intensos e a coleta de um número muito inferior de óvulos em folículos considerados bons deveriam ser exceções, e não regra, dentro das clínicas.

Pelo menos sete pacientes estão se reunindo para denunciar à Polícia Civil de São Paulo e do Rio de Janeiro o sumiço dos óvulos, a negligência no tratamento – há, inclusive, um caso de perfuração de órgão e hemorragia decorrente dele – e o assédio para que fraudassem pedidos de reembolso em convênios médicos.

O Metrópoles obteve acesso a dois depoimentos de outras pacientes que já procuraram as autoridades para denunciar uma clínica ligada a Tosyn somente pelas fraudes em exames.

Sangue, fraude e dinheiro

Lorena (nome fictício para preservar a identidade da paciente) não só reuniu provas das tentativas da clínica para fraudar pedidos de reembolso do planos de saúde, como também conseguiu, no Procon, um parecer favorável à devolução do que havia pagado para fazer o tratamento.

Ela procurou Tosyn em janeiro de 2023 para o tratamento e, como se dispôs a também doar óvulos à clínica, conseguiu um desconto de 50% e pagou R$ 11,1 mil para realizar duas coletas e três tentativas de fertilização.

Assim como outras pacientes, Lorena sofreu com dores provocadas pelo hiper estímulo dos ovários. Ela relata que Tosyn captou 30 óvulos, sendo 15 doados à clínica, conforme o combinado. No fim, dos que restaram com ela, apenas quatro geraram embriões.

“Eu achei que foi pouco, pela dor e pela hiper estimulação que eu tive”, conta.

Lorena também relata que o marido ficou muito nervoso ao vê-la retornar sangrando do centro cirúrgico, sem que a equipe manifestasse preocupação aparente.

“Eu não me lembro, mas ele disse que quando eu voltei da captação de óvulos, eu estava sangrando muito, sem nenhuma higiene. Eles não fizeram nenhuma limpeza”, diz.

Dois dias antes da transferência dos embriões para o seu útero, Lorena conta que Tosyn pediu novos exames de sangue, sem especificar para o que seriam. Dias depois, recebeu um pedido para que solicitasse reembolso do plano de saúde por exames que ela não havia feito.

Em trocas de mensagens, obtidas pelo Metrópoles (veja abaixo), Lorena questiona o que considerou “má-fé” por parte da clínica. A paciente recorreu ao Procon para encerrar o contrato e recuperar parte do dinheiro investido.


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“Me senti lesada pois estavam tentando me induzir a cometer uma fraude contra o convênio”, alegou Lorena ao órgão de proteção ao consumidor.

O Procon deu parecer favorável à paciente e alegou que a reclamação apresentada por Lorena “incide na quebra de confiança” com a clínica e impunha “a rescisão contratual, sem ônus, sem prejuízo da apuração das condutas ilícitas eventualmente praticadas”.

Confira os detalhes do esquema de fraudes relatados por Lorena:

“Sumiço” de óvulos

A analista contábil V. Pereira, de 38 anos, que também pediu para não ser identificada, pagou R$ 18,9 mil pelo tratamento na clínica de Tosyn em 2021. Logo nos primeiros exames, descobriu que o marido apresentava baixa motilidade no esperma, ou seja, que os espermatozoides possuíam velocidade abaixo do ideal para o processo de fertilização.

Assim como ocorreu com outras pacientes, mesmo sem apresentar exames que indicassem baixa fertilidade da paciente, Pereira recebeu hormônios para hiper estimular seus ovários a produzirem mais óvulos.

“Quando estava próximo do período da coleta, eu não conseguia pisar no chão. Era uma dor insuportável, porque os meus ovários estavam muito inchados”, conta. O processo frustrou Pereira: Tosyn contou 19 óvulos maduros em seu organismo, mas coletou apenas seis.

“Eu tinha 36 anos quando fiz a coleta, ainda era uma idade legal. Tomei muita medicação para estimular ao máximo e ele colheu o mínimo?”, questiona ao Metrópoles. “Ele nunca me respondeu o porquê do número 19 cair pra seis.”

Na clínica de Tosyn, ela diz ter sofrido com a sedação utilizada na coleta de óvulos, que a deixou “baqueada” por dois dias seguidos. “Como eu tenho essa desconfiança da quantidade de óvulos, para mim aquela anestesia forte era proposital”, afirma.

Atualmente, a paciente faz o tratamento em outra clínica de fertilização. Os últimos exames encontraram 12 óvulos em seu organismo e todos eles foram coletados.

Defesa nega fraudes e negligência

A advogada Agatha Dias Martins, que defende Tosyn, afirmou que o médico não responde a nenhuma denúncia por negligência médica no Conselho Regional de Medicina (CRM). “Tiveram alguns incidentes, como é comum acontecer incidentes em qualquer parte médica que a gente fala”, diz. 

Ela defende também que a quantidade de óvulos colhida por Tosyn após pacientes passarem por hiper estímulo está dentro de um padrão razoável.

Tudo bem, ficavam em seis, sete óvulos, não tem problema. É uma quantidade ok. São quantidades boas, não precisa ter tantos”, afirma.

A advogada também nega que houvesse exigência de dinheiro vivo e troca de planos de saúde e rechaça as acusações de fraude contra planos de saúde.

“Pelo menos quando eu estava trabalhando na clínica, tudo o que era pedido para ser pago, foram exames prestados”, diz. 

A advogada nega que Tosyn esteja foragido e afirma que ele está na Nigéria. “Ele pretende voltar, porque os filhos estão aqui, a vida dele está aqui, a carreira dele está aqui. Ele foi [para a Nigéria] para cuidar do pai dele por um tempo”, conclui.