Documentário sobre Ruth de Souza reverencia todas as mulheres pretas

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“Como realizadora também queremos fazer outras coisas para além de documentar tudo que nos foi apagado. Mas é a única forma que a gente tem também de reconstituir um pouco a nossa história”. Contra a produção social do esquecimento, o cultivo coletivo da lembrança.

Para costurar os caminhos de Ruth pela vida, a diretora viajou por dez anos ao seu encontro. Os últimos de sua vida por aqui. Em paralelo, um tanto de pesquisa. Ruth não acreditava que alguém viesse de tão longe para escutá-la. Gente que estava bem mais perto já não fazia isso. Quando começaram as gravações, Juliana explica que a artista “estava num momento bastante solitário, em alguma medida. Depois isso foi melhorando”. Ela entende que desde 2015 existe um movimento de retomada da celebração dessas memórias.

Com uma década de entrevistas, a produção encontrou muitos detalhes. Por exemplo, o exercício do tempo sobre o corpo da Ruth. A mobilidade que foi se reduzindo, a voz ficando baixinha. Só uma coisa não mudou: a sua lucidez, a sua presença. O brilho que Ruth distribuía para as pessoas sentadas ao seu redor.

Emocionante mesmo é quando Juliana aparece sentada no chão, Ruth do lado, num sofá. O encontro de dois tempos. Elas revisitam fotos, documentos antigos que mostram como os Estados Unidos se apaixonaram por Ruth a ponto de mandar um telegrama ao Itamaraty pedindo apoio para lembrá-la de uma bolsa de estudos que havia ganhado. Ruth, uma prioridade diplomática. Foram muitas histórias, muitos atravessamentos como diz Juliana.

“Gravar não era um processo muito simples. Havia muitos momentos de encantamento e emocionantes de aprendizado, mas ao mesmo tempo não era fácil ir até lá. Mexia muito comigo emocionalmente e nem sempre de uma maneira positiva”, desabafa. Assistindo aqui de longe, do tempo e do espaço daqueles encontros, eu posso até imaginar um destes momentos. É quando Ruth diz:

Minha mãe era lavadeira, sábado ele ia entregar roupas. Um dia eu fui junto na casa de uma das freguesas. Minha mãe toda orgulhosa porque eu já sabia ler, falou ‘ela sabe ler, ela quer ser artista’. A mulher: ‘Essa menina tá querendo colocar o chapéu onde não alcança’. Eu era uma menina, mas aquilo me feriu.