Conselho diz que projeto do aborto é inconstitucional, ignora realidade e criminaliza vítima

Distrito Federal

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) divulgou, nesta sexta-feira (14), o posicionamento do colegiado em relação ao projeto de lei que equipara o aborto realizado após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio simples é inconstitucional, ignora a realidade e criminaliza as vítimas.

“O Conanda posiciona-se contrário ao projeto de lei 1904/2024, que impõe sofrimento, tortura e coloca em risco a saúde, a integridade física e mental e a dignidade de milhares de crianças e adolescentes que são cotidianamente violentadas sexualmente em nosso país”, diz a nota assinada por Marina de Pol Poniwas, presidente do órgão.

O conselho integra a estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e é responsável por, entre outras atribuições, definir as políticas para a infância e a adolescência, fiscalizar as ações executadas pelo poder público e gerir o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente.

O colegiado expressa “profunda contrariedade” ao projeto de lei e afirma que o texto representa um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual.

A proposta, de acordo com o conselho, viola a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e normas internacionais das quais o Brasil é signatário.

O documento cita que, em 2022, oito em cada dez vítimas de violência sexual eram crianças e adolescentes e que 61,4% das vítimas de estupro tinham no máximo 13 anos. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, com 56.820 vítimas, houve um incremento de 8,6% nos casos de estupro de vulnerável no último ano.

O conselho diz que o Congresso deveria ampliar a proteção, e não punir e restringir os direitos de mulheres e, especialmente, de crianças e adolescentes.

“A proposta legislativa ignora completamente a realidade das crianças e mulheres que enfrentam situações de estupro e que têm o direito de não serem submetidas a uma nova violência, sendo obrigadas a gestar e parir”, diz.

Dados do Sistema Único de Saúde mostram que 12 mil meninas de oito a 14 anos estavam grávidas em 2023, de acordo com o conselho. Em 2022, 56,8% das vítimas de estupro e estupro de vulnerável eram pretas ou pardas, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

“As consequências para crianças, adolescentes e mulheres negras, maiores vítimas de violência sexual, aniquilam subjetividades e destroem vidas, devido aos profundos traumas e que, agora, ainda correm o risco de serem obrigadas a dar continuidade a uma gestação indesejada e imposta pela violência”, diz o conselho.

O projeto em tramitação na Câmara dos Deputados prevê a possibilidade de uma mulher adulta vítima de estupro que interrompa a gravidez após a 22ª semana de gestação ser condenada a uma pena mais severa do que a de seu estuprador.

O crime de homicídio simples, ao qual o aborto após 22 semanas pode ser equiparado caso o projeto seja aprovado, prevê pena de seis a 20 anos de prisão. Já a pena de estupro, de acordo com o Código Penal, varia de seis a dez anos de prisão.

Caso haja lesão corporal grave ou se a vítima tiver entre 14 e 18 anos, a pena passa de oito a 12 anos de prisão. Se resultar em morte, de 12 a 30 anos.

“A gestação, como a concretização de uma situação de estupro e a obrigatoriedade do prosseguimento da gravidez é uma nova violência, um processo de revitimização agora imposto pelo Estado brasileiro, e que pode ser comparado com situações de tortura”, diz o colegiado.

“Apenas a inviolabilidade dos corpos das crianças e adolescentes permitirá o seu pleno desenvolvimento físico, social, psíquico e emocional, o que significa que é preciso interromper qualquer tipo de violências e de imposição que impeça crianças de sonhar e de construir projetos de vida, violando direitos fundamentais à vida, à dignidade humana e à proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão, tortura e tratamento cruel ou degradante”, conclui.