Com 4 mil cegos, DF tem apenas 11 cães-guias em atividade

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Com apenas 5% de visão, o atleta paraolímpico Jefferson Gonçalves, 25 anos, tem o apoio do cão-guia Ebo para abrir os caminhos que não consegue enxergar. “O cão é uma tecnologia, como se fosse uma bengala, uma prótese, um óculos. Ele é treinado para ser uma extensão do corpo”, comenta.

Jefferson conseguiu o cachorro há seis meses e é um dos raríssimos deficientes visuais com acesso a cão-guia no Distrito Federal. De acordo com a União Nacional do Cão-Guia, atualmente há apenas 11 cães em atividade na capital federal. O número é pequeno considerando as 70 mil pessoas com deficiência visual em Brasília, e 4 mil em casos severos. Os dados são da Associação Brasiliense de Deficiência Visual (ABDV).

Para ter acesso ao cão, Jefferson precisou se inscrever em um edital do Instituto Federal Goiano, o único de todo o Centro-Oeste que continua treinando os animais para o acompanhamento a pessoas com deficiência visual. O DF até tinha o Programa Cão Guia, mas foi desativado em 2017. O Metrópoles questionou o Governo do Distrito Federal se há a previsão de um novo projeto que para treinar cães guias, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

Independência

O cachorro é sinônimo de independência para Jefferson. “Enquanto com uma bengala eu preciso bater para ver se tem buraco na rua ou um carro, o Ebo já me puxa se tiver qualquer obstáculo”, destacou. Outro ponto que atleta sentiu também foi no campo social. “As pessoas veem um deficiente visual com bengala e já ficam ‘ô dó’, meio que com pena mesmo. Mas quando me veem com um cachorro é outra conversa, as pessoas perguntam, tem curiosidade”, explicou.

Por um fator genético, Jefferson desenvolveu miopia, glaucoma, astigmatismo, baixa visão e “todos problemas na vista”, como definiu. Ele começou a sentir a redução na visão aos 6 anos. “Aí foi naquela: o óculos corrige e todo ano aumentava o grau e reduzia a vista”, disse.

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Jefferson conta com o apoio de Ebo para pegar ônibus

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Jeferson tem o apoio do cão para se sentir seguro e ter independência

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Há apenas 11 cães guias no Distrito Federal

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Há seis meses, Jefferson conta com o cão Ebo para guiá-lo

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Além de segurança, cão-guia Ebo também leva alegria para casa de Jefferson

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Cão-guia é uma tecnologia de assistência a pessoas com deficiência visual

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Jefferson é um atleta paralímpico

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Quando tinha 12 anos, Jefferson perdeu toda a visão do olho direito e, aos 16, começou a perder a do olho esquerdo, que hoje tem apenas 5%. “É uma doença degenerativa, e há chance de não enxergar mais nada”.

Jefferson se especializou como um jogador de goalball e é atleta profissional. Com o cão-guia, ele vai aos treinamentos duas vezes por dia e à noite vai para academia também. “Além da independência, há uma segurança maior com o cachorro. Além de tudo, o Ebo trouxe alegria ao lar”, comentou.

Ebo tem quatro anos. Um cão-guia pode “trabalhar” por 10. O animal é permitido em transportes e locais públicos, conforme prevê a Lei Nº 11.126, de 2005.

“Mais de R$ 50 mil por cão”

O treinador Bruno Naves, do Instituto Federal Goiano, ressaltou que o cão-guia é uma tecnologia assistida e que tem todo um custo para formar um cachorro desse tipo. A preparação vem ainda na fecundação, em que há o material genético com cerca de 70% de aproveitamento.

“Em um ninhada de 10 filhotes, aproximadamente sete viram cães-guias”. O treinador contou que os animais começam a preparação desde o primeiro dia, com estímulos de sons e de luzes para que os animais sejam adaptados.

“O cachorro não pode ser medroso, hiperativo, ter algum problema de locomoção, não pode rosnar. Trabalhamos o tempo inteiro para que ele esteja impecável para guiar uma pessoa”, explica. O processo, além de ser demorado, tem custo. Os animais que não são aptos a virar cães-guias, por exemplo, passaram pelo custo de vacinação e de ração ainda nas etapas anteriores.

“Se considerar só o custo da alimentação, da vacina, o custo básico mesmo, hoje aqui no instituto é pelo menos R$ 50 mil por cão”. O cachorro leva dois anos de treinamento intensivo no instituto.

“É um treinamento caro, que precisa de interesse dos estados e do governo federal para manter. Hoje posso te dizer que aqui está iminência de fechar”, alegou. Por não ter um programa de treinamento no DF, a maioria dos cães-guias da capital foram formados em Goiás. “Dos 12 cachorros que estamos preparando agora, oito vão para o DF e um para a Cidade Ocidental (GO), que é Entorno do DF”, explica.

“Governo não tem interesse”

Na fila há cinco anos para conseguir um cão-guia, o ex-presidente da Associação Brasiliense de Deficiência Visual (ABDV) Justino Bastos destacou que falta vontade do poder público em manter e desenvolver projetos que sejam voltados à população com deficiência visual”.

“O governo não tem interesse, não há investimento nenhum”, explicou. “Perder o Programa Cão-Guia foi terrível para a população cega no DF, eram formados cerca de quatro cachorros por ano. Em 16 anos de programa, 100 cães foram treinados por lá”, detalhou.

Justino já teve dois cães-guias, ambos treinados pelo programa que acabou. Desde 2019, ele está na fila de um centro de treinamento em São Paulo e, desde 2021, também à espera de um animal pelo instituto em Goiás.

O que diz o governo

O Metrópoles questionou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) sobre os incentivos a programas que estimulem a preparação de cães-guias no país. A pasta alegou que há a previsão de repasse de R$ 300 mil para área de pesquisa do projeto cão-guia do Instituto Federal Goiano. O recurso terá origem do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A pasta também explicou que o processo de seleção e a lista de espera são divulgadas pelos próprios centros de treinamento e não há um cadastro do ministério para o assunto. “Os interessados por algum cão-guia devem procurar as instituições que desenvolvem o treinamento de cães. O processo de seleção não é centralizado e segue os editais divulgados pelos próprios centros.”

Responsável pelos institutos federais, o Ministério da Educação (MEC) destacou que há autonomia das instituições para ofertar a formação com foco na inclusão. A pasta ressaltou que o MEC atua na proposição, desenvolvimento e implementação de estratégias que visam o fortalecimento do ensino, da pesquisa e da extensão no âmbito das instituições que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

“Nesse sentido, [o MEC] apoia as instituições nas ações com foco na inclusão e na acessibilidade para o desenvolvimento de tecnologias e serviços que possam auxiliar a comunidade”.

O Metrópoles também questionou o Governo do Distrito Federal sobre a previsão de um outro programa que habilite cães-guias no DF, mas não teve resposta até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.