“Uma mulher de fé”. É assim que a brasiliense Claudia Marques, de 54 anos, gosta de se autodenominar. E não é por acaso. Em 2023, a advogada e jornalista enfrentou um sarcoma, um tipo de câncer raro com taxa de sobrevida baixa. Felizmente, a caçula de três irmãos contrariou as estatísticas e mostrou que o otimismo pode fazer a diferença.
Em conversa com o Metrópoles, Claudia afirma que sempre foi vaidosa e que faz check-up médico para garantir que sua saúde esteja em dia. Academia, dança e atividades ao ar livre sempre estiveram nos seus afazeres do dia a dia como forma de “valorizar cada momento”.
Como parte de sua rotina, em 2019, Claudia agendou uma consulta com seu ginecologista em São Paulo. Na época, ela descobriu que tinha um mioma uterino, mas optou por não fazer a retirada. Em julho de 2023, ao retornar ao médico, foi recomendada novamente a cirurgia, pois o tumor havia crescido.
“Resolvi marcar a cirurgia para 5 de setembro, depois de uma viagem marcada com meu namorado, Luis Filipe. Operei, tirei o útero [que já estava combinado] e o mioma. Porém, no dia seguinte, recebi a notícia que os ovários e as trompas também foram retirados”, relembra.
O motivo do procedimento, segundo o ginecologista, era que, caso a biópsia retornasse positiva, mesmo que não apresentasse características de tumor, ela teria que voltar para o centro cirúrgico. Claudia recebeu a informação com tranquilidade, mas, dias depois, o resultado chegou: não era um mioma e, sim, um sarcoma.
Diagnóstico do câncer
Claudia conta ao portal que não teve nenhum sinal ou sentiu sintomas da doença. Foi, conforme define, algo totalmente inesperado. No mesmo dia, ela foi encaminhada para um oncologista, que pediu uma segunda biópsia para saber a agressividade do câncer e se teria afetado outras partes do corpo.
“Foram 15 dias de espera. O médico falou que a biópsia poderia dar negativo, o que, de certa forma, me trouxe esperança. Mas, não só confirmou que era um sarcoma, como mostrou que ele já estava com um número de multiplicação altíssima e que já havia necrose — apesar de não ter atingido os ovários e as trompas.”
O oncologista, então, pediu um PET-CT, exame capaz de detectar tumores em todo o corpo. “Ele me falou que esse câncer faz uma metástase a distância, ou seja, poderia ir para outras partes, como cérebro e estômago”. A partir daí, Claudia ficou em São Paulo e decidiu não comentar sobre a doença com amigos e familiares. Naquele momento, apenas o namorado sabia.
“Foi um momento de conexão com Deus”
Após o pedido do médico, Claudia teve que esperar mais 15 dias para realizar o exame. A brasiliense conta que não se desesperou com o momento que estava vivendo, pois, para ela, a melhor forma de encarar a doença era acreditar que sua vida estava nas mãos de Deus.
“Não adiantava eu me desesperar, porque eu sei que Deus está no comando de tudo. Porém, eu fiz a minha parte: confiei e procurei um médico. Foram 15 dias de muita fé e confiança. Não tinha como eu mudar o diagnóstico, mas sim acreditar que tudo daria certo”, salienta.
No dia do PET-CT, em outubro de 2023, Claudia tirou um tempinho para conversar com Deus. “Eu falei: ‘O Senhor já foi tão maravilhoso comigo… Eu descobri esse câncer por acaso, já que não tive sintoma nem nada. Eu não gostaria de descobrir uma metástase, eu gosto tanto de viver’”, relata Claudia ao Metrópoles.
A experiência foi bastante positiva para a jornalista, que sentiu confiança de que tudo daria certo naquele dia. Ela realizou o exame e aproveitou cada momento até o resultado sair. Quando retornou ao oncologista, recebeu a notícia de que o exame deu 100% negativo para metástase. Um alívio, ela diria.
Protocolo de tratamento
Depois de receber a notícia, Claudia chorou de felicidade, afinal, suas preces foram ouvidas e ela poderia voltar para Brasília. Porém, seu médico a recomendou que fizesse um protocolo de tratamento porque era um câncer raro e do qual não há muitos estudos.
“‘Que dia que eu começo?’, falei para ele. Com isso, eu tirei uma lição sobre tudo isso: eu não mudei com o câncer, eu já era e continuo sendo uma pessoa otimista, que gosta de aproveitar a vida e, acima de tudo, com muita fé. Por alguma razão eu tinha que passar por isso e encarei”, conta a jornalista.
Claudia pensou que seria um tratamento mais simples, já que ela tinha alcançado a remissão do câncer. No entanto, o protocolo ocorreu como se ela ainda estivesse com o tumor em seu corpo.
Ao todo, foram oito sessões de quimioterapia, que começaram em outubro de 2023 e acabaram em janeiro de 2024. Depois, mais 25 sessões de radioterapia, que terminaram em março.
Rotina de tratamento
É comum que, ao longo do tratamento de pacientes com câncer, seja indicada a implantação de um cateter. Esse foi o caso de Claudia. Ela só pode tirar o dispositivo daqui dois anos. Ao Metrópoles, diz que saiu tão bem da cirurgia que, no mesmo dia, tomou a primeira sessão de quimioterapia.
“Eu não senti absolutamente nada em nenhuma das sessões… Nem mal estar, enjoo… Nada! Eu pedi a Deus para não me deixar passar mal e foi o que aconteceu. Eu passava 12 horas no hospital, chegava cedo e seguia minha rotina tranquilamente”, recorda.
Engana-se, porém, quem acha que foi sorte. “Acho que a gente não pode abrir mão de ser otimista e sempre enxergar o melhor em tudo por mais que a situação seja adversa e desafiadora. Eu fui lá e fiz a minha parte.”
Perda dos cabelos
Apesar da tranquilidade, Claudia viu seu cabelo começar a cair no final de fevereiro devido à alopecia, um dos efeitos colaterais da quimioterapia. Na época, ela ligou para mãe e chorou. Não foi um choro de tristeza, mas sim de presenciar mais uma mudança em sua vida.
Com a ajuda do namorado e uma tesoura de papelaria, ela fez um corte de cabelo curto. “Não caiu o meu cabelo todo, mas ficou bem ralo. Eu decidi não raspar porque achei uma injustiça com os fios, eles lutaram comigo até o fim. Por que eu iria cortá-los?”, brincou a brasiliense.
A importância da rede de apoio
Durante todo esse processo, Claudia havia recém-começado a namorar Luis Filipe e enfrentou um dilema pessoal e emocional. Segundo a advogada, foi um momento decisivo em sua vida.
“Imagina, você acaba de começar a namorar alguém e vem o diagnóstico de câncer? Um dia eu estava com a biópsia na mão e falei: ‘Felipe, se você quiser encerrar esse namoro agora, você pode ficar tranquilo, porque esse é um problema meu’. Ele, no entanto, disse que queria continuar do meu lado e enfrentar a barra comigo”.
A resposta de Felipe foi reconfortante para Claudia, uma vez que 70% das mulheres diagnosticadas com câncer lidam com o abandono do parceiro durante o tratamento, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia. Para ela, ter o apoio e cuidado do namorado foi fundamental para sua recuperação.
Notícia aos amigos e familiares
Apesar de Claudia não ter escondido o diagnóstico de ninguém próximo, ela também não fez alarde. Sua mãe, Edith, de 83 anos, que está curada de um mieloma, só soube da doença quando a brasiliense decidiu marcar um jantar em casa com os irmãos, quando todo o tratamento estava marcado.
“Eu fiz um jantar, cozinhei e em um momento falei: ‘Semana que vem estou começando um tratamento de quimioterapia em São Paulo’. Eles começaram a chorar, mas eu expliquei toda a situação. Aproveitei para fazer deste um momento leve”, lembra.
Os amigos, por sua vez, souberem em maio deste ano, quando Claudia organizou sua festa de aniversário. Por conta do cabelo curto, muitas pessoas pensaram que ela tinha radicalizado o visual. Porém, ela tirou um momento na sua comemoração para explicar o verdadeiro motivo.
“Antes de servir o almoço eu chamei todo mundo e contei que não tinha mudado o visual por estética, mas por conta do sarcoma. Também aproveitei o momento para falar para não perderem a fé, esperança e ter coragem na vida”.
“Não perca a fé”
Claudia voltou para São Paulo no começo de maio deste ano para fazer exames de revisão. Felizmente, ela continua em remissão, e precisa voltar de três em três meses para monitoramento. Se pudesse dar um conselho para quem recebeu um diagnóstico semelhante ao dela, ela falaria aquilo que sempre a ajudou: ter fé.
“Jamais perder a fé, não perder a coragem e não tirar o sorriso do rosto. É importante também entender que o tempo vai passar, independentemente do desespero e da ansiedade, então saibamos passá-lo com otimismo, feliz, leve e com coragem”, elucida Claudia.
Entenda o sarcoma
O sarcoma é um tipo raro e agressivo de câncer que se origina nos tecidos conjuntivos do corpo, incluindo ossos, músculos e cartilagem. A doença representa cerca de 1% de todos os cânceres diagnosticados em adultos e tem diversas variantes, como o sarcoma uterino, diagnóstico de Claudia.
De acordo com o oncologista Fernando Maluf, médico que atendeu Claudia, o diagnóstico de sarcoma uterino é frequentemente feito após exame anatomopatológico de rotina. Normalmente, o pedido é realizado depois da detecção de um miomectomia ou histerectomia devido a um suposto leiomioma (tipo de tumor benigno).
“Os sinais e sintomas mais comuns incluem sangramento uterino anormal e dor pélvica, mas grande parte das pacientes são assintomáticas. Na doença avançada, manifestações clínicas adicionais podem resultar da disseminação local da doença e de metástases”, explica o profissional.
No caso da Claudia, o PET-scan deu negativo após a cirurgia. Isso indica que não houve captação do tumor em nenhum lugar do corpo, ou seja, há grandes chances de não haver mais doença. Porém, como o exame vê apenas lesões macroscópicas, deve-se realizar o monitoramento da doença.
“É preciso a realização de imagens e exame clínico em cada paciente. O tempo entre cada consulta depende de vários fatores e deve ser definido pelo médico assistente. Atualmente, existem vários estudos clínicos abertos no mundo todo para avaliar a eficácia das medicações que estão sendo desenvolvidas”, emenda.
Ocorrência
De acordo com o ginecologista Mauricio Simões Abrão, médico que acompanha Claudia há 20 anos, a maioria dos sarcomas uterinos ocorre em mulheres com mais de 50 anos. No caso do brasiliense, a detecção precoce foi crucial para um tratamento bem-sucedido.
“A confirmação veio por meio de exames patológicos pós-operatórios. A presença de alterações morfológicas suspeitas, como necrose, atipia celular ou alta taxa de mitose são geralmente indicadores de sarcoma, mas esses detalhes só são encontrados na análise do patologista”, explica Mauricio.
Entre os fatores de risco associados ao desenvolvimento de sarcomas uterinos, o ginecologista cita a exposição à radiação e ao uso prolongado de tamoxifeno, medicamento utilizado para tratar câncer de mama. O histórico de síndrome hereditária também pode influenciar o quadro.
“Não existem medidas preventivas específicas para sarcomas uterinos devido à raridade e falta de fatores de risco modificáveis conhecidos. No entanto, alguns exames podem ajudar na detecção precoce, como a ultrassonografia transvaginal, ressonância magnética e avaliação de marcadores no sangue”, finaliza.