André Kfouri: O calvário dos goleiros do Corinthians na era do fanboy de cartolas

Esportes

A milícia digital que ajudou a expulsar Cássio do Corinthians volta seus teclados para Carlos Miguel. Diferentemente do maior goleiro – não em centímetros, mas por quilômetros de distância – da história do clube, responsabilizado por quase tudo o que acontecia de errado com o time, o pecado de Carlos Miguel foi aceitar uma proposta para jogar na Inglaterra. Há quem pense que a titularidade significa a renúncia de um jogador de futebol à prerrogativa de decidir o que é melhor para sua carreira, uma conclusão cuja origem é a vaidade do fanático que atua como ativista nas redes antissociais, mas, em regra, não é afeito a frequentar estádios e, efetivamente, torcer.

Como de hábito, esse tipo de comportamento encontra estímulo no setor da mídia esportiva que se propõe apenas a gerar tráfego e supervaloriza a própria opinião, esta, também, distante dos fatos e das impressões de jogadores, treinadores, enfim, as pessoas que fazem o futebol. O mecanismo de oferecer um julgamento escandaloso – do tipo que questiona a postura de Cássio ao longo de seus 12 anos de serviço ao Corinthians – aos clãs virtuais, para que se debatam e salivem descontroladamente, sempre se revelou um método produtivo para quem não tem vergonha. Verdade ou justiça não importam, e a sensação de estar às ordens de dirigentes incompetentes certamente não incomoda.

É fundamental que fique claro: Cássio tomou a decisão de sair do Corinthians porque não suportava mais pagar a conta pelas frustrações causadas por um time ruim, e porque não foi protegido pelas pessoas que têm a obrigação de fazê-lo. Estas, lideradas por Augusto Melo, o exterminador de patrocínios, não foram capazes – porque são, sob qualquer ótica, incapazes – de administrar um momento de baixa técnica do goleiro cujas luvas tocaram os troféus mais gloriosos da história do clube e tinha absoluta condição de se recuperar. Pior, terceirizaram suas responsabilidades para a arquibancada digital, expediente cada vez mais comum nos gabinetes da cartolagem do bananal, e esperaram a corda romper do lado fraco.

O que se passa com Carlos Miguel, que assistiu de local privilegiado o tratamento dado a um goleiro que merecia uma estátua, é morbidamente semelhante. Os avisos de que alguém com a capacidade e a projeção dele seria assediado pela Europa em pouquíssimo tempo não foram suficientes para que seu contrato – cuja multa reduzida a quase nada é um crime que deve ser atribuído à gestão anterior, incompetente e nociva como a atual – fosse ajustado e deixasse de ser um presente aos interessados. E agora, como se o posto de goleiro titular do Corinthians fosse uma outorga com prazo de fidelidade, Carlos Miguel é condenado por dizer sim à Premier League.

Fanboys vaidosos não percebem que esta é precisamente a leitura que agrada a dirigentes despreparados, porque os isenta e os exonera, até que o próximo vilão seja identificado e perseguido, enquanto a vida segue em um clube quebrado, desesperado por qualquer coisa que se aproxime de uma governança. O time de futebol se encontra abaixo da marca d’água da tabela do Campeonato Brasileiro. Cássio, o culpado conveniente, já não pode assinar a conta.